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terça-feira, setembro 02, 2014

"Aquela casa fechada onde o sol tinha a morada e entrava sem bater"


E o inevitável adeus à Sé aconteceu. 
Desde que as férias terminaram que a azáfama tem sido imensa nesta Lisboa que não dorme. Retomar o trabalho e compensar o tempo perdido, procurar casas, agendar visitas, fazer malas, o tempo parece andar demasiado depressa para quem há 10 dias vivia um Porto Santo sem relógios nem preocupações.
Nunca nos apercebemos da tralha que acumulamos ao longo dos anos até precisarmos mudá-la de poiso. É imensa coisa. Coisas que não víamos há anos, coisas que nos fazem parar e recordar coisas boas,coisas que foram deixadas por outros, por esquecimento ou por terem querido deixar um pouco de si. Também lembra as coisas menos boas e que eu, ou o destino, se encarrega de eliminar, tornando dessa forma os caixotes e a alma mais leves. 

A casa está vazia.

É um pouco triste vê-la assim, depois de ter sido palco de tanta vida, de tanta aventura, de tantas novelas mexicanas. 

Faz eco. 

Dei por mim a falar sozinho, não por estar louco mas porque o eco me fazia companhia enquanto empacotava as coisas. Não me despedi das andorinhas hoje, já o tinha feito antes.

Há uma nova vida, um novo palácio, um novo palco à minha espera. 
Mas agora, só quero descansar.


sábado, agosto 02, 2014

O Adeus às Andorinhas da Sé


A insana correria do relógio pouco tempo deixa para parar e olhar para as andorinhas que sobrevoam os céus da Sé. No ano passado e no anterior a esse eu costumava parar uns minutos para contemplá-las. Nunca o tinha feito até vir morar para o Principado da Sé, foi aqui que descobri o quão belas e perfeitas elas são. Muitas vezes desejei ser uma delas, que sorte aquela de poderem voar por onde quiserem e habitar os beirais com vista para o Tejo! Sempre que podia debruçava-me na varanda e ficava em silêncio a invejá-las naquele frenesim de final de tarde. Outras vezes punha música, aquelas que eu escolhia a dedo para preencherem as paredes claras desta casa e que me permitem por momentos sentir-me uma andorinha, daquelas que também escolheram a Sé para viver durante os meses de calor. 

Naquela tarde de Julho partilhei os últimos raios de sol com o Tiago embuídos de uma nostalgia que chegou cedo demais. Ele também entende as andorinhas da Sé e sabe, como elas, que quando terminar o verão precisaremos de novo poiso. Mas eu não quero partir, tenho algumas dúvidas de como se constrói um novo ninho. E em silêncio ficámos. Aí parei os relógios e passei a ter todo o tempo do mundo. Toda a vida do principado me passou diante dos olhos e derramou-se pelas janelas que eu deixara abertas. 

Os aniversários celebrados à volta de uma mesa cheia de amigos em que se pediram desejos - cristalizar a felicidade daquele exacto momento. Um sem número de celebrações regados a vinho tinto ou sangria de frutos vermelhos. Um entra e sai de amigos, de amores e desamores. 

Na Sé ama-se de verdade, não se gosta apenas, não se adora, não se ama em inglês por ficar mais fácil dizê-lo noutra língua. Na Sé chora-se de verdade, lágrimas de alegria, de raiva, de tristeza, de incerteza, de incapacidade por não se conseguir mudar o mundo. 

Na Sé ouve-se Caetano, Amália, Florence, Regina, Luísa, Elis, Rodrigo, Cibelle, eles dormem à noite comigo, tal como o "Medo" que tantas horas de sono me tirou em noites invernosas sem um corpo com sangue quente ao lado para me abraçar. 

As muitas janelas e varandas que perfuram as paredes da Sé viram muito mais do que a dança das andorinhas. Viram uma vida tão estranha passar por ela. E de copo cheio e brindando com as andorinhas, me começo a despedir dela.