terça-feira, janeiro 18, 2011

Um Homem Na Cidade


A magia das histórias por mim inventadas ainda habita nesta cidade. Uma cidade que fervilha de pessoas que todos os dias se cruzam sem se olharem nos olhos e sem senhores de chapéu que o tirem para dar os bons dias ao entrar no café. Uma cidade em constante fusão de cores e cheiros e músicas, com artérias entupidas de carros, elétricos e pessoas apressadas e ocupadas com os seus próprios pensamentos. Cheia de estreitas vielas iluminadas por candeeiros à média luz, repletas de histórias para contar. Histórias de homens bêbados que perderam o rumo, de crianças que jogavam à bola com uns trapos sonhando ser jogadores do Benfica, de casais que roubaram beijos fugidios encostados à parede com medo de serem apanhados. As pedras da calçada, gastas de tanto chorar com os romances que viram nascer, crescer e terminar com tragicidade grega. Gosto de parar para ouvir os azulejos com as suas memórias, texturas, cores e curvas, escalando prédios altos, recortados por janelas amplas e varandas estreitas. Invejo os poetas que descrevem uma Lisboa resplandescente, boémia, dramática, soturna, obscura. Ninguém a sorveu com igual prazer como eles. Os loucos. Aqueles que praguejam, que cantam desditas aos sete ventos sem serem realmente ouvidos, que espalham fés, que dormem nas ruas tornando-as corredores das suas grandes casas arejadas e com o universo como telhado. Serão eles os loucos ou estaremos nós demasiado convencidos com a nossa "normalidade" de pessoas cheias de pressa e problemas e sem tempo para nada?

Hoje, noite de lua-cheia, voltei a estar em paz com esta cidade. Reconciliei-me com ela e voltei a lembrar que ainda tem muito para me dar. E eu a ela. Avizinha-se uma Primavera e como diz a Florbela Espanca,

"Há uma Primavera em cada vida,
é preciso cantá-la assim florida,
pois se Deus nos deu voz foi p'ra cantar"



The rows of houses of a District Chiado
IMAGEM:
© TOSHI SASAKI/amanaimages/Corbis