domingo, janeiro 30, 2011

"Que Parva que Sou"

Este podia perfeitamente ser o nome de uma música dos Deolinda.

E é.

Mas também podia ser uma frase chapada na minha testa.
Mas voltemos uns instantes atrás. Eu, Pedro Alexandre, estava a chegar felicíssimo do trabalho e a pensar que tinha uma hora e meia para comer qualquer coisa rápida e vestir a roupa nova de ir à missa quando de repente encontro o Senhor João (ou José?), vizinho da frente, marido da Deolinda, não da Ana Bacalhau, da Deolinda mesmo. Aquela vizinha (quase) típica para se ter quando moramos na zona histórica de uma cidade. O Senhor João(?), sempre solícito para me deixar passar nas escadas quando eu saio a correr atrasado para ir trabalhar, mas que pára sempre para me dar os bons-dias ou comentar algo sobre os meus horários do trabalho ou sobre a minha constante pressa. Desta vez não me falou de trabalho nem da pressa com que eu subia as escadas, de dois em dois degraus.

- E então, não foi ao espectáculo ontem?

(Pedro pára para pensar de que espectáculo estaria ele a falar)

- Ver a Deolinda! - continuou a senhor.

(Pedro pensa, mas porque raios está ele a falar da mulher dele, será que a minha vizinha da frente tem uma vida secreta nalgum bar a cantar o fado?)

- Eu fui ontem, não gostei muito, são só eles a cantar e foi muito curto. Não gosto muito da música deles.

(Pedro abre então a boca meia hora depois para dizer:

- Ah, eu vou hoje vê-los.

Mas vamos lá pensar, como sabe o vizinho da frente que eu gosto dos Deolinda? Mas depressa se desvaneceu a dúvida, acho que até o vizinho do rés-do-chão deve saber isso. Não tenho culpa de gostar de cantar no banho empunhando um megafone.
Mas Pedro ao mesmo tempo liga os dois neurónios embriagados que ainda possui e começa a pensar "Eh lá, queres ver que eles deram dois concertos e aqui o Je não sabia?

Rapidamente me despeço do Senhor Coiso e subo as escadas ainda mais depressa do que o normal, atiro-me para cima da secretária onde estão "cenas" aos montes, até encontrar o bilhete do concerto para o qual nunca tinha olhado antes. E o mistério resolve-se. O meu bilhete era para dia 28 e não dia 29. Durante um milésimo de segundo pensei "Pedro acalma-te, vais respirar fundo e não vais desanimar, vais comer qualquer coisa e vestires-te nas calmas e vais até o Coliseu muito educadamente relatar o sucedido. E quando acabo de ter este pensamento dou por mim a correr pela Ginginha fora empunhando o bilhete na mão, com a barriga vazia e a roupa reles com a qual não iria concerteza à missa.

Explicado o drama à senhora da bilheteira ela ia ver o que conseguia fazer. ~

- Eu posso ficar até pendurado nos candelabros, ponham-me onde der!

Ok, não foi isto que eu disse, mas foi qualquer coisa do género. Umas senhoras na fila ficaram solidárias comigo. Menos uma que me disse que se eu chorasse ia gozar. E eu pensava que a única maneira de ela me vez a chorar era de rir de tão feia que era. Mas eu desculpei, era a falta de homem na vida dela a falar mais alto.
Resolvidas as burocracias, deixaram-me entrar! Estive para beijar a senhora da bilheteira mas felizmente para ela, havia um vidro entre nós. Ainda tive as amigas da fila a festejar ao longe a minha entrada no concerto enquanto jogavam confetis e serpentinas. Fiquei ao lado de um grupo de fãs que mais pareciam ter ido a um concerto do Tony Carreira, com uma lona enorme alusiva ao "Patinho de Borracha" e todos eles com os respectivos patinhos de banheira. "Que sorte tive eu para vir parar logo aqui ao pé dos exibidos que vieram para dar nas vistas com os seus cânticos. À custa disso tive, por vários momentos, o Coliseu a olhar para mim, e eu sem cartaz a dizer "Não tenho nada a ver com isto". Mas rapidamente fiz as pazes com toda aquela exuberância e lembrei-me que aquilo não era nada comparando com as figuras que já fiz em concertos dos Deolinda. Na verdade, eles foram até muito amadores. Conseguiram pôr a Bacalhau a saltar no palco, mas não foram convidados aos bastidores. Mas ao menos fiquei ao lado de pessoas que não se coibiram de cantar, bater palmas e aplaudir com vigor. Tal como eu gosto. Esqueci o facto de não estar na primeira fila como deveria ser.

O concerto foi qualquer coisa. Momento alto? A música nova.



Um hino à revolta, uma canção de intervenção, digna de um 25 de Abril dos tempos que correm. Na falta de Josés Afonso, Sérgios Godinho, Simones de Oliveira, temos Deolinda. Incisivos, sarcásticos, perspicazes, inteligentes.

E deu-me para para voltar a ver os vídeos de quando fomos vê-los a Ourique. Irrepetível e inesquecível. Perdoem-me a qualidade do vídeo e do som. Mas mesmo que a minha voz esteja por cima e que eu me tenha enganado na letra, nada estraga aquele "Movimento Perpétuo Associativo", a vénia da Ana aos maiores fãs da primeira fila e o seu agradecimento personalizado.

"Proibissem a saudade de cantar... havia de ser bonito"



quinta-feira, janeiro 27, 2011

Deolinda


Estou a contar os dias para o concerto dos Deolinda no Coliseu. Nunca pensei gostar tanto de uma banda portuguesa ao ponto de colocá-la lado a lado com grandes artistas internacionais que estão no topo da minha lista de preferências. Mas seria injusto compará-los com Coldplay, Norah Jones ou Diana Krall. Eles conseguem ser únicos e são muito poucas as referências com as quais os podemos comparar. Uma mistura de estilos e sonoridades, sem no entanto perderem uma identidade portuguesa extremamente vincada, com uma alma de poeta, de bairrista, de fadista. Conseguem roçar a alegria, a ironia e a melancolia como poucos sabem. Esta banda sabe ser e sabe estar. E faz-me gostar de morar em Lisboa.



Sábado, dia 29 pelas 21h30 vai-se cantar em português.

E eu estarei na primeira fila.

quarta-feira, janeiro 19, 2011

"I Had a Dream" e não gostei nada dele.


Nada estraga mais uma tranquila noite de sono do que uma ou mais sessões de sonhos. Aquele momento em que o nosso conspurcado subconsciente resolve passar curtas metragens com cenas que era suposto terem sido evacuadas pela sanita abaixo. Lembro-me de ter estudado que o sonho é uma manifestação, um escape de pensamentos e aflições que nem sempre julgamos ter na nossa cabeça, no risco de se transformarem em traumas caso não sejam libertados. Tudo bem, se é para evitar o meu internamento antecipado no Júlio de Matos, aplaudo de pé todas as sessões de cinema que acontecem na minha almofada, mas ultimamente o meu subconscy (é o nome carinhoso que dou ao coiso, já que tenho de viver com ele, prefiro tratá-lo com afectos) tem produzido mais filmes que a indústria de Bollywood e pior, sem actrizes que pareçam a Jasmin do Aladino. Numa altura em que se fala de crise no mundo cinamatográfico, que não se fazem mais filmes de encher as medidas da roupa da Simara, aposto que eu e o meu subconscy conseguíamos dar a reviravolta que o cinema precisa. Burton, Spielberg, Woddy, Eastwood, prestem atenção à riqueza das informações que vos vou fornecer. E olhem que eu nem sempre estou assim tão bem-disposto:

Imaginem, estou dentro de um castelo no meio do mar à procura de um tesouro de piratas, tipo Fort Boyard, quando me apercebo que tinha sido atraído para lá por uma serpente do tamanho de um elefante que me persegue pelos corredores sibilando só para me assustar porque no fundo só gosta de tofu. De repente tropeço e entro num tudo de esgoto gigantesco e fico subitamente vestido com as roupas do Super Mário e tiro do bolso um cogumelo verde com olhos para comer como se fosse uma barra de cereais. Oiço ao longe o barulho da água a correr nos tubos, primeiro vejo um pequeno fio, mas percebo que está prestes a aparecer uma avalanche de lama para me afogar. Eis que começo a conversar com uma ratazana que por lá passava que me disse que não valia a pena correr porque o despertador estava avariado e ele tinha queijo para o pequeno-almoço e não estava disposta a partilhá-lo. Faz-se luz e percebo que afinal estava dentro de uma instalação de arte junto a um parque onde a minha amiga da 1ª classe está a passear os nossos filhos gémeos com tentáculos azuis com os quais apanham esquilos e os esmagam como nozes. Entretanto descubro que moro numa casa na árvore mas que ao entrar nela transforma-se logo num grande apartamento T3 com espaços amplos e jardins e piscinas interiores e exteriores e surpresa, também existe uma praia e um campo verde cheio de flores amarelas e roxas. Uma espécie de mistura entre Pequenos Póneis e Pequenas Sereias, mas em pior. Na cozinha encontro a minha mãe a preparar uma sopa de feijões mágicos que ela sabe bem que eu não gosto, mas acaba por me obrigar a trepar o feijoeiro que entretanto brota do meu prato para eu ir buscar o véu da noiva que está a vestir-se no meu quarto enquanto o noivo anónimo está a jogar golfe no campo de golfe que apareceu vindo sei lá de onde. Puxo os meus suspensórios e digo, com um olhar reprovador, ao meu vizinho que isto de andar a ler revistas cor-de-rosa tem de parar senão vou ter de chamar a polícia e ele sabe bem que desde que andou no tráfico de M&M's que está em prisão domiciliária e não convém meter-se em mais sarilhos. Isto tudo enquanto continuo a trepar o feijoeiro que entretanto se transforma numa plataforma de mergulho e eu visto o meu fato-de-banho e preparo-me para saltar, com piruetas, para o mar que está 100 metros abaixo de mim. Vejo pessoas a aplaudir e a gritar por mim e enquanto vou nos meus triplos mortais encarpados vejo na multidão o Harry Potter, mas em sádico, que resolve transformar o mar numa piscina de jibóias. Eu bem tento gritar em queda livre mas fico mudo e ninguém me consegue acudir.


(Mas agora que penso bem, se calhar não estarei a inovar e que isto mais parece o "Scary Movie XVI")


Depois acordo antes de cair no meio dos répteis e tomo a decisão de nunca mais dormir.
Ou de nunca mais comer bolachas de chocolate do Tiago às escondidas antes de o fazer.




Man at tree shaped home
IMAGEM:
© KittenChops/Corbis



Porque há músicas que merecem ser ouvidas com atenção redobrada...



Agarro a madrugada
como se fosse uma criança,
uma roseira entrelaçada,
uma videira de esperança.
Tal qual o corpo da cidade
que manhã cedo ensaia a dança
de quem, por força da vontade,
de trabalhar nunca se cansa.
Vou pela rua desta lua
que no meu Tejo acendo cedo,
vou por Lisboa, maré nua
que desagua no Rossio.
Eu sou o homem da cidade
que manhã cedo acorda e canta,
e, por amar a liberdade,
com a cidade se levanta.
Vou pela estrada deslumbrada
da lua cheia de Lisboa
até que a lua apaixonada
cresce na vela da canoa.
Sou a gaivota que derrota
tudo o mau tempo no mar alto.
Eu sou o homem que transporta
a maré povo em sobressalto.
E quando agarro a madrugada,
colho a manhã como uma flor
à beira mágoa desfolhada,
um malmequer azul na cor,
o malmequer da liberdade
que bem me quer como ninguém,
o malmequer desta cidade
que me quer bem, que me quer bem.
Nas minhas mãos a madrugada
abriu a flor de Abril também,
a flor sem medo perfumada
com o aroma que o mar tem,
flor de Lisboa bem amada
que mal me quis, que me quer bem.


terça-feira, janeiro 18, 2011

Um Homem Na Cidade


A magia das histórias por mim inventadas ainda habita nesta cidade. Uma cidade que fervilha de pessoas que todos os dias se cruzam sem se olharem nos olhos e sem senhores de chapéu que o tirem para dar os bons dias ao entrar no café. Uma cidade em constante fusão de cores e cheiros e músicas, com artérias entupidas de carros, elétricos e pessoas apressadas e ocupadas com os seus próprios pensamentos. Cheia de estreitas vielas iluminadas por candeeiros à média luz, repletas de histórias para contar. Histórias de homens bêbados que perderam o rumo, de crianças que jogavam à bola com uns trapos sonhando ser jogadores do Benfica, de casais que roubaram beijos fugidios encostados à parede com medo de serem apanhados. As pedras da calçada, gastas de tanto chorar com os romances que viram nascer, crescer e terminar com tragicidade grega. Gosto de parar para ouvir os azulejos com as suas memórias, texturas, cores e curvas, escalando prédios altos, recortados por janelas amplas e varandas estreitas. Invejo os poetas que descrevem uma Lisboa resplandescente, boémia, dramática, soturna, obscura. Ninguém a sorveu com igual prazer como eles. Os loucos. Aqueles que praguejam, que cantam desditas aos sete ventos sem serem realmente ouvidos, que espalham fés, que dormem nas ruas tornando-as corredores das suas grandes casas arejadas e com o universo como telhado. Serão eles os loucos ou estaremos nós demasiado convencidos com a nossa "normalidade" de pessoas cheias de pressa e problemas e sem tempo para nada?

Hoje, noite de lua-cheia, voltei a estar em paz com esta cidade. Reconciliei-me com ela e voltei a lembrar que ainda tem muito para me dar. E eu a ela. Avizinha-se uma Primavera e como diz a Florbela Espanca,

"Há uma Primavera em cada vida,
é preciso cantá-la assim florida,
pois se Deus nos deu voz foi p'ra cantar"



The rows of houses of a District Chiado
IMAGEM:
© TOSHI SASAKI/amanaimages/Corbis

domingo, janeiro 16, 2011

What Goes Around...


Ontem falávamos de psicoterapia e perguntei se aquilo ajudava a arrumar os nossos problemas em gavetas. Disseram-me que os deixam organizados em prateleiras onde os podemos mudar de sítio de vez em quando. Imagino os móveis do Ikea que tenho na sala, com todos aqueles quadrados, onde posso escolher pôr os livros, os filmes e os chocolates nas prateleiras mais altas e guardar aquelas coisas que não ligo muito, mas das quais não me consigo livrar, ao nível do chão. Felizmente ainda estou com essa parte da estante da sala bastante vazia, já na minha caixa central, existe fila de espera e ninguém está a respeitar a ordem das senhas. Começo a achar que é por causa do tempo, não fui construído para viver sob chuvas torrenciais e frios de enregelar ossos e bater dentes. Sempre disse que por mim andava de fato-de-banho o ano inteiro, aborrecem-me os adornos exagerados, as roupas de marcas caríssimas e as combinações mega idealizadas. Falei de problemas de estrutura para depois concluir de imediato que não são "problemas", são apenas estruturas diferentes. Umas mais bem preparadas para catástrofes naturais, outras precárias, à beira-mar plantadas. Umas com finos acabamentos, outras toscamente decoradas. Outras que nem um vaso com uma erva daninha têm. E há casas nas quais eu jamais quereria viver, na verdade penso que convivo melhor com uma casa com ervas daninhas do que com uma com fachada meticulosamente trabalhada mas sem pilares para sustentar o seu interior. Essas podem ruir, afundar-se e tornar-se pó, mas vão cair sempre com a fachada impecável para turista ver e tirar fotografias.

E antes de partir para a psicoterapia, vou tentar dar o primeiro passo e resolver-me na confusão que é o meu quarto. Talvez encontre as peças que faltam (?) no meu puzzle do Klimt entulhado debaixo de toneladas de roupas e papéis.



Ruins of Sao Paulo Church
Título original: Macao - ruins of an old church.
IMAGEM:
© Hulton-Deutsch Collection/CORBIS

sexta-feira, janeiro 07, 2011

O Inverno do Meu Descontentamento


Há alguns anos que o início de um ano novo coincide com grandes mudanças na minha vida. Não, não sou de tomar decisões de ano novo, já fui anteriormente, hoje considero que mudanças para a minha vida deviam ter acontecido ontem e não amanhã. Neste momento aborrecem-me as pessoas que dizem que amanhã começam uma dieta, que amanhã se tornam mais organizadas, que amanhã dão banho ao cão malcheiroso.
Não queria que o meu primeiro texto de 2011 no blogue fosse sobre desejos ou sobre uma retrospectiva do ano que passou, mas não pude deixar de me lembrar que há um ano atrás estava num ponto crucial da minha vida. Acabava de me despedir de um trabalho para o qual nunca fora realmente contratado e que me tirava anos de vida a cada hora. Não fazia a mais pálida ideia do que ia fazer, só sabia que aquilo não era concerteza. Ganhava miseravelmente e nem para ir uma vez por mês ao cinema sobrava dinheiro. Tinha uma vida social quase reduzida a pó e uma relação perto da ruína, talvez por causa das circunstâncias enunciadas, talvez por causa das expectativas desmesuradas (?) que eu colocava, talvez por causa do Inverno rigoroso que parecia realmente nunca mais terminar. Foi sem dúvida alguma, a pior fase que me lembro de ter passado, nem sempre bem apoiado, nem sempre rodeado das melhores pessoas. Mas como diz o outro "But in the end, it's only with yourself". Foi um ano duro mas felizmente existe um limite físico no calendário que o deu por terminado, bem regado com amêndoa amarga.
Hoje, com um trabalho que adoro mas que exige muito de mim, sinto que me voltaram a cortar as pernas. Desculpas? A crise. A puta da crise que serve de justificação a mundo e meio para cortar em tudo o que puder. A diferença em relação ao ano passado? A força mental que me faltava. E se calhar uma melhor capacidade de filtração e uma ou outra boa influência.
É oficial, estou aborrecido, mas não abatido.


P.S: Perdoem-me a falta de etiqueta aquando da palavra "puta" escarrapachada ali algures no meio da diarreia mental que acabei de redigir.

Images.com (RM)
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Tangled Line Between Mouth and Ear with Question Mark