Pronto, já passaram 3 dias e estou portanto em condições de dar a minha opinião acerca do "Mundo Pequenino" dos Deolinda. Tudo bem que eu sou suspeito, mas por gostar demasiado deles, a minha opinião também se torna mais crítica. Há sempre o receio que apareça um álbum que não faça jus aos anteriores, tal é a expectativa que coloco nesta banda. Pois bem, aquilo que os tornou conhecidos no "Canção ao Lado" e no "Dois Selos e Um Carimbo" não é perdido neste terceiro disco. Continuam fiéis a si próprios, com características que os distinguem de tudo o resto. Não é pop, não é fado, não é música ligeira nem brejeira mas sim uma miscelânea de influências, sonoridades e emoções que aproximam a música das nossas vidas. É uma música que identifica uma geração, uma espécie de Sérgio Godinho dos nossos tempos, com a qual nos podemos identificar, canção após canção.
Eles não cantam mais do que as nossas vidas - cantam aqueles momentos em que secretamente desejamos o mal dos outros. Cantam aqueles amores destinados a ser vividos na clandestinidade. Cantam sobre as borboletas com que ficamos perante o sorriso da pessoa que gostamos. Cantam sobre a inércia que nos assola e as desculpas que inventamos para justificar a nossa inoperância. Cantam sobre a burocracia e falta de celeridade. Cantam sobre o sentimento egoísta de desejar que os melros cantem apenas na nossa gaiola. Cantam sobre as manias de grandeza e pela necessidade de parecermos melhor que o vizinho. Cantam sobre marinheiros de água doce que fazem mas não acontecem. Cantam sobre as nossas dúvidas em relação ao amor, ao país, ao futuro. Cantam sobre nós e somente isso.
E cantam em português. Não que eu seja fundamentalista em relação aos cantores portugueses cantarem na sua língua materna, não o sou e posso disparar excelentes exemplos assim de repente - David Fonseca, Luísa Sobral, The Gift, Lúcia Moniz, e por aí fora - mas nada se equipara à emoção de uma canção bem feita na nossa língua. As letras continuam a ser maravilhosamente elaboradas pelo Pedro da Silva Martins que se tem revelado um poço de fertilidade musical inesgotável, transbordado-o para outras paragens - a Cristina Branco, a Ana Moura, o António Zambujo e NÓS agradecemos. A Ana Bacalhau, com a sua voz grande, inteira e em que nada exagera ou exclui, põe quanto é naquilo que faz (perdoem-me a fácil mas perfeita comparação Pessoana), obrigando-nos de livre e espontânea vontade a ouvir as suas histórias até o fim. A atitude, a personalidade, a energia são incomparáveis. Juntam-se ainda o Luís José Martins e o José Pedro Leitão para compor o quarteto maravilha e estamos perante uma banda, aos meus olhos, mítica.
Já tive o prazer de os ver nas mais variadas ocasiões e de os conhecer a todos numa dessas em particular - na festa do porco preto em Ourique em 2009. Pode não ter sido a oportunidade mais requintada de todos os tempos, mas ao conseguir ficar na fila da frente e após ter cantado as músicas todas de uma ponta à outra com um grupo de pessoas que até hoje lembra esse dia com saudade, fomos convidados pela Ana Bacalhau, ainda em cima do palco, a ir ter com eles aos bastidores e assim o fizemos. Um privilégio.
O "Mundo Pequenino" é maravilhoso e vou ouvi-lo ao vivo já no Sábado na FNAC do Chiado. A contar as horas.
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