sábado, agosto 02, 2014

O Adeus às Andorinhas da Sé


A insana correria do relógio pouco tempo deixa para parar e olhar para as andorinhas que sobrevoam os céus da Sé. No ano passado e no anterior a esse eu costumava parar uns minutos para contemplá-las. Nunca o tinha feito até vir morar para o Principado da Sé, foi aqui que descobri o quão belas e perfeitas elas são. Muitas vezes desejei ser uma delas, que sorte aquela de poderem voar por onde quiserem e habitar os beirais com vista para o Tejo! Sempre que podia debruçava-me na varanda e ficava em silêncio a invejá-las naquele frenesim de final de tarde. Outras vezes punha música, aquelas que eu escolhia a dedo para preencherem as paredes claras desta casa e que me permitem por momentos sentir-me uma andorinha, daquelas que também escolheram a Sé para viver durante os meses de calor. 

Naquela tarde de Julho partilhei os últimos raios de sol com o Tiago embuídos de uma nostalgia que chegou cedo demais. Ele também entende as andorinhas da Sé e sabe, como elas, que quando terminar o verão precisaremos de novo poiso. Mas eu não quero partir, tenho algumas dúvidas de como se constrói um novo ninho. E em silêncio ficámos. Aí parei os relógios e passei a ter todo o tempo do mundo. Toda a vida do principado me passou diante dos olhos e derramou-se pelas janelas que eu deixara abertas. 

Os aniversários celebrados à volta de uma mesa cheia de amigos em que se pediram desejos - cristalizar a felicidade daquele exacto momento. Um sem número de celebrações regados a vinho tinto ou sangria de frutos vermelhos. Um entra e sai de amigos, de amores e desamores. 

Na Sé ama-se de verdade, não se gosta apenas, não se adora, não se ama em inglês por ficar mais fácil dizê-lo noutra língua. Na Sé chora-se de verdade, lágrimas de alegria, de raiva, de tristeza, de incerteza, de incapacidade por não se conseguir mudar o mundo. 

Na Sé ouve-se Caetano, Amália, Florence, Regina, Luísa, Elis, Rodrigo, Cibelle, eles dormem à noite comigo, tal como o "Medo" que tantas horas de sono me tirou em noites invernosas sem um corpo com sangue quente ao lado para me abraçar. 

As muitas janelas e varandas que perfuram as paredes da Sé viram muito mais do que a dança das andorinhas. Viram uma vida tão estranha passar por ela. E de copo cheio e brindando com as andorinhas, me começo a despedir dela. 

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