quinta-feira, novembro 20, 2014

"Little Britain vs. Little Portugal"


A viagem pela "Incredible India" e a breve estadia em Londres chegaram ao fim e o relógio já apontava a hora do regresso. NORMALMENTE quando terminamos umas férias de quase três semanas sentimos uma nostalgia pelo seu fim, mas ao mesmo tempo um leve desejo de regressar ao nosso cantinho, principalmente depois de tantas noites mal dormidas em lençóis com limpeza duvidosa,colchões desconfortáveis e de banhos de água fria em casas de banho que parecem saídas de filmes de terror. Lá arrumei as pesadas malas e pus-me estrada fora até o aeroporto de Gatwick com alguma dificuldade devido a uma "lesãozinha" num pulso que trouxe de recordação de Goa. Ainda é um esticão ir de Londres até um aeroporto, não é tão fácil como aqui em Lisboa que em 10, 15 minutos fazemos o percurso casa-aeroporto apanhando um único meio de transporte. Mas felizmente apanhei os transportes correctos e cheguei com bastante tempo para o check-in. 

Peripécia número 1 - A senhora do check-in diz que não tenho mala de porão paga. Eu contraponho, já que tenho a certeza de o ter feito. Ela continua a dizer que não e vira o computador para mim, e verifico que lá diz que não tenho direito a mala de porão. Quis pagar a mala, não aceitavam multibanco, tive de passear com as malas todas pelo aeroporto em busca de um multibanco que estava no "Juda's ass" (para não escrever a palavra "Cú" no meu blogue). Ao chegar lá consigo finalmente aceder ao meu e-mail que me comprova o pagamento da mala. Não levanto o dinheiro e volto ao balcão. A senhora continua a recusar a mala porque diz que o valor que aparece no e-mail, apesar de separado do valor da viagem, não especifica do que é. Resignado, volto ao multibanco e levanto a porcaria das 30 libras que eles me pediam. Pago a porcaria da mala pela segunda vez e avanço para o raio-x com a outra bolsa que ia levar na cabine, atafulhada até à quinta casa, na esperança que a aleatoriedade do computador deles não me obrigasse pela 3ª vez em aeroportos ingleses a abrir a bolsa toda. As pessoas todas à minha frente tiveram as suas malas a seguir pelo tapete rolante normal, a minha, como previsível, é empurrada para o tapete do lado, o que significa que vou ter de abrir. Na minha cabeça de vento pensei que talvez me tivesse esquecido de algum líquido lá dentro, mas afinal não, era só mesmo para me vasculharem e desembrulharem as coisas que estavam meticulosamente arrumadas e atrasar-me ainda mais o processo. Satisfeitos em saber o que eu tinha comprado na Índia, no Nepal e no Sainsbury's, lá me deixaram avançar. Entretanto nisto tudo já tinha passado mais de uma hora desde a minha chegada ao aeroporto, o que me me deixou com tempo para apenas comprar a porcaria de uma sandes e correr para a porta de embarque que ficava no "Juda's ass" também. Começa o embarque e quando chega a minha vez dizem-me que a pessoa do meu bilhete já tinha embarcado. Eu sorrio e respondo que isso é um bocado impossível. Mas o computador, mais uma vez, contrariou-me e depois de alguns minutos em que a fila não andou por minha causa, EU apercebo-me que no meu bilhete aparece "Pedro Santo" em vez de "Pedro Andrade" e sugiro que se calhar existe algum Pedro Santos. E fez-se luz na cabecinha de toda a gente, havia mesmo um Pedro Santos e eu tinha no meu cartão de embarque o número da reserva dele, daí o computador dizer que eu já tinha embarcado. Rapidamente percebo o porquê de me terem dito que não tinha mala de porão paga, o tal Pedro não tinha direito a essa mala e consequentemente, eu também não. Para eu poder embarcar com um novo cartão tivemos de esperar que um senhor fosse procurar a minha mala no avião para trazê-la à porta de embarque para eu reconhecê-la e colocarem nova etiqueta. Durante a espera assisto a uma senhora de Coimbra escandalizada por só poder levar uma mala de mão com ela, alegando a seu favor o facto de ser médica. Eu quase vomito de vergonha alheia e continuo à espera da minha mala. Entretanto já estava tudo embarcado e eu a empatar o vôo a toda a gente por causa da senhora do check-in não ter sabido ler o meu nome no cartão do cidadão. Chega a mala, identifico-a, entro no avião, fecham as portas, a senhora de Coimbra continua a reclamar num tom bastante deselegante de coisas que não tem razão com toda a convicção do mundo, alertando mais uma vez todo o avião que era médica, e eu tive de me conter para não me virar para o banco de trás e dar-lhe um chapadão nas trombas. Aquela presunção ainda me ecoa nos ouvidos cada vez que me lembro da história passadas mais de 24h. 

Entretanto a senhora calou-se (alguém tratou de lhe chamar a atenção por mim), o avião seguiu o seu rumo e aterrámos em Lisboa com uma chuva que nem em Londres apanhei. Vou procurar um táxi para me levar a casa e aqui começa a

Peripécia número 2 - eu já tenho um vasto rol de experiências menos agradáveis com taxistas portugueses, uma delas no aeroporto e que eu percebi que havia a possibilidade de se voltar a repetir. Dito e feito, quando chega a minha vez na fila o táxi na fila é uma carrinha enorme, que obviamente não fazia sentido eu apanhar já que sou apenas um passageiro, já que se paga mais por ela e eu não sou obrigado a viajar num táxi mais caro só porque calhou. Educadamente explico ao taxista que não faz sentido eu apanhar o seu táxi já que sou apenas um passageiro e dirijo-me para o táxi seguinte. Eis que surge um polícia que num tom pouco educado e com uma altivez que não compreendi me pergunta

"Há alguma razão para não querer apanhar este táxi?"
"Não preciso de um táxi tão grande, como vê sou apenas um passageiro"
"Pergunto-lhe outra vez, há alguma razão para não apanhar este táxi?"
"Como lhe disse, não necessito de um táxi tão grande, além do mais paga-se mais"
"Não estou a perceber, porque não apanha este táxi"
"Responda-me a esta pergunta, eu pago mais por ir nesse táxi, não é?"
"Sim, um pouco mais, nada de especial"
"PRONTO, tem aí a minha justificação, eu não sou obrigado a pagar mais"

Atordoado com a estupidez do polícia, entro no táxi, dou a morada e o taxista começa a tratar-me por tu, o que noutras circunstâncias não me faria confusão mas eu já estava maçado demais com a viagem toda. No entanto contive-me e não lhe perguntei se tinha andado comigo na escola. A meio caminho do Areeiro, onde ele devia apanhar a Almirante Reis, ele muda de direcção para ir pela Avenida da República.
Pergunto-lhe:

"Desculpe, está a ir por onde?"
"Pela Avenida da República"
"Mas sabe que esse caminho é bem mais longo, não sabe?" 
"Há muitos caminhos para chegar à Baixa"
"Eu sei que sim, vivo aqui há muitos anos e faço este percurso dezenas de vezes. E por isso sei que este não é definitivamente o caminho mais rápido"
"Então tens de me avisar por onde queres ir"
"Não tenho de avisar, você tem de escolher o caminho mais rápido para os seus clientes"
"Não, tu é que tem de dizer que se queres ir para a Baixa por uma certa rua"
"Não, não tenho, você é que tem de ser profissional e não levar os clientes por caminhos mais longos"

Ele corrige o rumo, apesar de já ter feito um desvio que me encareceu um pouco a viagem e ao chegar à minha rua, peço-lhe para encostar perto da minha porta ao que ele responde

"Sabes que não posso parar aqui"
"Claro que pode"
"Não, não se pode parar aqui nem na Rua do Ouro"
"Então como é que os taxistas apanham ou deixam clientes na Baixa?"
"Então pergunta à polícia a ver o que te dizem"
"Eu não estou a pedir para estacionar, estou a pedir para parar momentaneamente para eu sair no sítio que pedi. E tem já ali um departamento da polícia, podemos ir lá os dois e perguntar isso."

Ele calou-se, tirou-me as malas e foi embora.


E andei eu na Índia com medo de ser enganado pelos taxistas e pelos condutores de tuk-tuk, que tiveram imensas oportunidades de me enganar, roubar ou fingir que não tinham visto a minha câmara esquecida no banco detrás. 

Aaaaahhhh, as saudades que eu já tinha deste meu Portugalinho.

6 comentários:

CaesarLiveNLoud disse...

isso é bad Karma de teres ido de férias tanto tempo enquanto os demais ficam com o rabo à porta. tinhas que "pagar" alguma coisa.. lol

Já agora... devolveram-te o valor da mala? as tais £30?

Unknown disse...

Olá Pedro, isso é que foi uma dura prova de regresso às "origens". Deliciei-me a ler o teu post e achei brilhante o requinte das sucessivas dificuldades e obstáculos a transpor. Parabéns pela resiliência e pela prova superada de "400m barreiras". Beijos e alegra-te por não seres de Coimbra nem sofreres da presunção provinciana dos coimbrinhas.

João Pestana disse...

Tenho acompanhado os teus relatos de viagem e é engraçado identificar situações pelas quais já passei como backpacker e viajante. Já no ano passado tive um regresso do Japão a Portugal meio atribulado por causa de um engano lá do senhor do check-in em Tokyo que me colocou uma identificação de uma rapariga do meu grupo na mala. Depois de quase 24 horas em viagem, e completamente atordoado depois de 2 viagens de comboio e 4 voos, chego ao Funchal e sou desviado pra um quartinho pelo senhor da SEF intrigado por ter a identificação de senhora na minha mala e muito mal educadamente a questionar-me sobre o conteúdo enquanto passava no raio-x e a obrigar-me a abri-la, a falar comigo como se eu tivesse gamado a mala ou fosse um traficante. heheh Ainda nem que não viu as estrelas ninja, senão tinha confiscado mesmo sendo de bronze. Tenho a certeza que faria isso.

Pedro Espírito Santo disse...

César, tens razão, isto é o karma a explicar que não devia ter feito bullying com as fotografias das minhas férias! Espero já ter as minhas contas arrumadas com o karma!

Pedro Espírito Santo disse...

Paula, realmente toda a minha viagem foi uma corrida de obstáculos e nem cheguei a relatar alguns outros incidentes, geralmente relacionados com o meu passaporte perdido umas 4 vezes durante a viagem. Cheguei a Lisboa rezingão quando era suposto chegar zen e relaxado. Mas cheio de energia para retomar o trabalho :)

Pedro Espírito Santo disse...

João, imagino que deve ter sido penoso todo esse trajecto do outro lado do mundo até casa. Já se sabe que estes contratempos acontecem e devemkos estar preparados para eles, mas não nos livram de passar uns momentos de calafrios. Eu consegui que a minha mala, sem cadeado, sobrevivesse intacta a 9 trajectos de avião, mas tive de ser revistado praticamente o mesmo número de vezes. E seria tão fácil terem "confiscado" lembranças só porque sim.