Mãe, isto escrevo para ti:
Agora sim, sei o que custa tratar de um lar. Os meus dias começam a ter uma rotina com a qual nunca tinha lidado antes. Há sempre louça que não se lava nem se guarda sozinha, vá lá, até consegue secar se a deixarmos no escorredor de um dia para o outro, e é incrível a quantidade de louça que se suja para fazer um almoço ou um jantar simples. Será de mim que não sei fritar um ovo sem sujar 2 frigideiras, uma panela, 2 pratos e 3 talheres? Alguém que me diga que lhe acontece o mesmo, por favor. E depois a sujeira. Meu Deus, aquilo salpica e respinga para todo o lado, parece um espectáculo pirotécnico com comida, o que não tem grande piada quando falamos da nossa cozinha. E eu sou a favor que as coisas que estão a ser cozinhadas não devem ter vida própria, devem mas é permanecer quietinhas na frigideira ou na panela, porque se eu quisesse comida viva, comprava galinhas e porcos, não os bifes já cortados naquelas embalagens de esferovite. Quer dizer, não que me importasse de ter um ou dois bichos destes, mas num T2 pequenino acho que seria muito ser vivo a partilhar o mesmo ar e só Deus sabe como o preço do ar está pela hora da morte. Adiante, porque é que o simples facto de ter um prato, um copo e dois talheres no lava-loiça dá a imagem de desarrumação total à cozinha? Quando eu passava os fins-de-semana sozinho aí no Funchal eu deixava acumular a loiça de 2 dias e a balbúrdia não parecia ser tanta, apesar de se construirem montanhas com as coisas para lavar. Se calhar porque agora esta é a minha casa e não a vossa. É capaz de ser isso.
E todo o processo de lavar, estender, retirar e dobrar roupa? Nem falo em engomar, pois nem tábua temos ainda, mas mesmo que a tivéssemos acho que pouco ou nada a utilizaríamos, apesar de bater a saudade de uma bela t-shirt engomada. Uma delícia. Deveria existir uma máquina que fizesse isso tudo por nós, e que ainda arrumasse as roupas no closet, se não fosse pedir muito.
A cama, agora é feita todos os dias. Acabaram-se os velhos tempos em que a cama apenas estava arrumada uma vez por semana, que era quando se trocava os lençóis. Tu já tinhas desistido de mim, já nem me pedias para fazê-la, mas estava na hora de atinar um pouco, e acho que me rodeei de pessoas organizadas aqui em Lisboa, que de certa forma me ajudaram a ganhar o belo do hábito. Roupas jogadas pelo chão do quarto, nem vê-las. Acabaram-se os montes Everestes que montava em todos os espaços livres do quarto aí de casa, com roupas que nunca mais acabavam. E depois há sempre aquelas coisinhas que supostamente têm lugar próprio, mas que teimosamente estão nos sítios errados e precisam reencontrar o caminho para casa. Engraçado como não se dá conta destas pequenas desarrumações progressivas e quando olhamos em volta, temos um prato para levar para a cozinha, uma cadeira fora do sítio, revistas e livros nos lugares errados, lenços espalhados, uma chave de casa, uma carteira, uns cartões, uns trocos, tudo aparece em sítios onde não deviam estar, sabe-se lá porquê.
As limpezas e lavagens do chão e casa-de-banho normalmente não as faço porque o Rúben gosta mais disso do que eu, mas também isso exige limpezas. O pó aparece em todo o lado e às vezes parece que quando o pó nos vê de pano na mão, começa a levitar e depois do pano passado, volta a assentar. Começo a acreditar nesta teoria.
Depois há ainda temos o lixo, que se enche num ápice e é preciso estar sempre a mudar de sacos, isto para além dos produtos para a reciclagem que às vezes nos fazem perder tempo a pensar para que caixote é que devem ser enfiados.
Olha, é assim. Ser dono de casa é uma tarefa complicada. Foram precisos 23 anos para reconhecer tudo o que tens feito. Reconheço agora todo o teu empenho, determinação e capacidade de gestão e organização. Valorizo agora o facto de chegares a casa do trabalho e começares logo, sem paragens para descanso, a arrumar o que de arrumação necessita. A roupa para lavar, estender e dobrar, o jantar para fazer, as plantas para regar... E tudo isto sem reclamar nem exigir nada em troca, e muitas foram as vezes que um simples elogio ao jantar ou um reconhecimentozinho podiam ter sido dados, mas a verdade é que as pessoas que não fazem nada em casa, não conseguem valorizar quem o faz. És o altruísmo em pessoa.
Portanto agora te agradeço Julianinha, por nunca me ter faltado roupa fresca e dobradinha na gaveta, boa comida na mesa e toda a organização com a qual me rodeaste e que eu julgava que se fazia por si mesma. Afinal não.
E agora para completar a homenagem, além do cabelo rapado a máquina 1, vou tatuar nas costas qualquer coisa com caveiras e "Amor de Mãe" e fazer um piercing no nariz e na língua.